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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Doçura e corações


O eu-lírico é um romântico desvairado e sem cura. Aqui, ele destila um descontentamento que, por causa da rapidez em que as palavras surgem na mente, se torna um conformismo.

Acontece que ele é um espectador dos dias e das reações. Sendo assim, enche a massa cinzenta de conceitos próprios que futuramente se mostrarão já decretados por mentes muito mais famosas e pioneiras. Sem problema. Nada se cria, tudo se transforma, disse um pensador famoso. Dito isto, o eu-lírico sonha ser original, já sabendo que não é, e pede perdão se não falar de novidades. Porém, fala o que quer.

Como já foi dito, o eu-lírico assiste a vida, tanto a dele como a dos outros. O tanto assistir, o que também inclui viver, fê-lo entender que o amor é quantitativo, mas, principalmente, qualitativo. O recheio (amor) do doce chamado coração é feito dos melhores ingredientes, que conferem um desfrute mais virtuoso do amor e satisfação garantida. Contudo, existem diversos tipos de doces – bolos, pudins, rocamboles, bavaroises - assim como existem diversos tipos de corações. É preciso saber qual é o doce e qual é o recheio certo.

Refletir sobre tal assunto e assistir filmes fez o eu-lírico desejar a maior perfeição possível para o seu coração. Quis certos ingredientes que ele mesmo tem e outros que ele não tem, a fim de sobrepujar as expectativas do sabor real do recheio. Almejou um doce tão belo e saboroso que daria pena de provar. E foi neste ponto que ele cometeu seu grande equívoco. Para que algo tão perfeito se ele admiraria muito mais do que usufruiria?

Então concluiu que o amor existe para ser usado, consumido até a última grama, e não para ser formalizado na mente sob conceitos errôneos de excelência. Isto não ignora a qualidade do amor – reafirma tal reflexão. A qualidade é de acordo com a necessidade do coração. O eu-lírico aceitou a realidade de que não amará uma Anne Hathaway, mas sim alguém que reformule seu pensamento de que Anne Hathaway seria perfeita. Alguém que tenha sono junto com ele e durma durante os filmes dela. Ah, sono conjunto! Quanto amor!

*As reflexões aqui escritas são oriundas de uma conversa informal tida com o eu-lírico, que se pôs a falar, sem pronunciar uma palavra sequer ao escritor. Segundo ele, os raciocínios são baseados no texto do livro de Provérbios, capítulo 31, versículos 10 ao 31.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Fim de tarde


Almeida sentou no banco da praça com o pessoal, pegou o tamborim e batucou. No balanço, os amigos entraram na onda - um pegou o cavaco, outro o repique de mão, mais um chegou com o bandolim e o samba saiu. Numa harmonia que casou com o improviso, o grupo emendou canção atrás de canção e todo mundo parou pra olhar.

Depois de alguns sambas mais animados, bem clássicos das gafieiras, Almeida parou e refletiu. Pensou sobre o que estava sentindo e a verdade é que estava triste. Era um quarentão que não andava em sintonia com o mundo. Depois de alguns anos vividos com a mulher que casou por obrigação, mas amou por vontade própria, teve que aceitar a realidade que mudou sua vida desde então. Tomada por um câncer, ela partiu pra longe e Almeida ficou sozinho. Sete anos passaram-se, tentativas vãs de amar novamente também, e ele não conseguia mais sentar no banco da praça e tocar seu tamborim com os amigos. Sempre se lembrava de quando rodava na gafieira com a Lucinha Pé-de-valsa, ou melhor, Pé-de-samba. Era quando o povo admirava o amor expresso em movimentos rápidos e sorrisos largos, face frente à face.

Só que agora todo mundo se encantava com o toque alegre que Almeida fazia soar no bairro. Havia muito tempo que tanta gente se juntava para ver sua arte. O antes alegre Almeida, que dançava com os braços ao redor de seu bem, parou de tocar para ser sincero consigo mesmo e assumiu seu desconsolo. Então disse aos amigos: “quero Lamento”. O rapaz do banjo introduziu, e todos, como bons chorões, emendaram o velho chorinho de Pixinguinha, deixando Almeida à vontade ao relembrar de dias mais felizes.

Uma moça saiu de casa quando ouviu as notas tão conhecidas de outros tempos. Laura viu o pai fazendo algo que desde pequena não via e o choro tomou conta não apenas de seus ouvidos, mas também de seu rosto. As lágrimas rolavam de alegria, e nesse momento ela chegou junto a cantar: “morena, tem pena, mas ouve o meu lamento...”, e o pai sorriu. Quantas lágrimas Almeida já tinha derramado! Dessa vez chorou a partir das mãos e da emoção das lembranças.

Quando tudo acabou, as cerca de vinte pessoas que estavam vendo soltaram um vigoroso aplauso. Almeida abraçou os amigos, beijou a testa da filha e, juntos, foram para casa. Ele estava feliz. Almeida amava um amor que não se apagou com as tragédias, amor que o fez amar Lucinha.  E por amar, estava realizado. Ao compreender isso, percebeu que poderia seguir sua vida na certeza de que fez alguém feliz, não por esforço, mas porque amou e se deixou ser amado pela melhor dançarina de samba da cidade.

As pesadas lágrimas findaram e deram lugar à paz.

domingo, 11 de novembro de 2012

Irresoluto


É risível quando me dizem: “você é tão bem resolvido”. É claro que não sou bem resolvido! Afirmar isso é tão inverdade quanto a própria mentira é verdade. E digo mais: ninguém é bem resolvido. Esta ideia é apenas uma jogada de marketing para aumentar o ego das pessoas que estão, em certa medida, deprimidas. Só é bem resolvido quem já morreu.

Eles, sim, estão completamente resolvidos, pelo menos com esta vida. Na qual preciso estudar para garantir o futuro, perdendo madrugadas de sono. Na qual preciso trabalhar para conseguir sustento à minha vida e à vida dos que dependem de mim. Em que preciso encontrar alguém que queira depender de mim. Definitivamente, não sou/estou bem resolvido.

“Depender? Quem vai querer depender de outro? Todos são individualistas e autosuficientes!”. Ah, triste verdade! Porém, ironicamente, em todos os momentos da vida dependemos de alguém. Na infância, mãe e pai são os provedores de tudo. Na adolescência, transpira-se o sentimento de independência, mesmo ainda dependendo dos pais, e começa-se a viver a falsa liberdade característica dos adultos. E, por fim, na velhice percebe-se a inutilidade de uma vida vivida sozinho.

“Liberdade é ter um amor para se prender”, escreveu Carpinejar. Olhando aqui e ali, vejo o quanto é ruim ser chamado de “bem resolvido”. Todo o cansaço dos afazeres diários pode ser derribado por um sorriso que faz uma possível lágrima subir o rosto e retornar para o seu lugar. Não é a hora de ela cair. É hora de amar o brilhante olhar que mira um ser totalmente confuso sobre o que fazer da vida, mas, que ao receber este olhar, entendeu o que é ser bem resolvido. Que o valor de todas estas estafantes tarefas para construir uma vida só pode ser compreendido quando serve para construir duas vidas como uma só. Duas vidas que cansam juntas, que correm juntas, que sorriem juntas... que se resolvem juntas.

Espero a resolução, pois em mim não está.