Queria
eu saber pra que toda essa emperiquitação. Por que a maquiagem tanta? Eu vejo
que você transpira feminilidade e possui uma luta diária de concorrência com as
outras mulheres pelo posto de mais bela – possivelmente encontrando os defeitos
nas outras. Essa disputa é um instinto natural e eu nada posso fazer, tampouco
entendo sobre isso, afinal sou homem e cheio de sem-gracices.
Mas
é que a vizinha nova te viu pela primeira vez dia desses, quando chegavas do
trabalho, e perguntou depois pra Dona Augusta: “É esta a mulher do vizinho do
lado?” Dona Augusta respondeu: “Sim, casaram-se há 1 ano e meio e me lembram de
quando eu e meu marido Eustácio éramos felizes”. A vizinha, então, opinou: “Sei
que, se este moço daqui do lado a ama, vai mantê-la feliz por muito tempo. Ele
que a valorize, pois nunca vi uma mulher voltar de um dia de trabalho tão
maravilhosamente linda.”
Meu
bem, não sou quem diz. O povo todo vê minha sorte quando você sai de casa.
Outro dia o Manoel da mercearia ficou te secando do momento em que fechaste o portão
até virares a esquina. Ele te viu prender o cabelo antes de descer da calçada,
fazendo aquele gesto de subir o queixo e depois levantar os braços com tanta altivez,
e dar o nó nos fios sem usar objeto algum para sustentá-los. Ias naquele passo-rebolado
bem marcado, em ritmo de partido-alto.
A blusa amassada, porque você dormiu por cima dela sem querer, o rosto de quem
se levantou 5 minutos antes de sair sem a menor noção do quanto estava
deslumbrante. O Manoel não tirava os olhos e nem eu, que via toda a cena do
ponto de ônibus. Ele babava por você e eu pouco me importava, pois ele aprovava
teu desfile ritmado na nossa ruazinha, se mordendo de inveja de mim.
Por
isso que hoje eu vim te buscar pra gente almoçar junto, na nossa casa. Eu
preparei o frango, o feijão verde e os legumes todos, como você gosta. O arroz
foi do risoto milanês de ontem, mas eu dei uma refogada. E nem se preocupa, tu
vais voltar pro trabalho na hora certa, que eu peguei o carro do Vilela pra
gente não perder tempo demais. Eu sei que teu dia é corrido, mas esquece tudo e
olha só pra mim de 12h até 13h30. Depois você volta pro aperreio.
Ah,
meu bem, você é tão injusta. Tanta gente se esforça apelando pra estética,
tentando ficar apresentável e você, sem a menor cerimônia, acorda sem olheiras
e o cabelo mais obediente do que recruta frente ao capitão – ele vai pra onde
você manda. Me dá beijo quente de cama quente e faz meu café, enquanto eu apenas
te assisto. Ora, eu vivo de texto e
música, a redação e o violão não me dão tempo pra tudo o que eu queria. Mas a
visão de você prendendo as mechas negras, ou pondo açúcar no meu leite, ou
soprando a poeira dos meus livros é que me impulsiona a escrever algo que me dê
uma graninha pra pagar o cinema nosso do fim de semana. A tua confiança em mim
cuidando de mim.
Perdoe
o brilhantismo desnecessário. Mas não sou eu, o povo todo é que vê a minha
sorte sempre que você pisa nossa calçada.