Perdi-me antes de
chegar. Quando me vi com a passagem em mãos, desandei a planejar os cafés a
conhecer e frases que seriam ditas nas conversas com estranhos. Meu passaporte
físico era um mero papel riscado se comparado ao passaporte imaginário, era um
pedaço de celulose diante do que se passava no lado direito do meu cérebro,
enquanto eu sentia as correntes elétricas das sinapses.
No ônibus, puxei
os fones e o bloquinho, meus companheiros de viagem, juntamente com a paisagem
de formações rochosas e plantações a perder de vista. Eu estava na estrada, já
distante de meu calmo e seguro vilarejo, eufórico por rumar para meu futuro,
para minhas oportunidades, para assistir os sonhos passeando nas congestionadas
avenidas. Que custaria a correria para ter o que eu queria? Não hesitei em
tornar palpáveis minhas esperanças – eu as via me soprando beijo pelo ar! De
repente, numa situação crítica de conjecturas flutuando com asinhas, os fones
soaram Fantasia, do Chico. Não
resisti: pus o travesseiro na boca (pois ecoar a voz no corredor de um ônibus
às duas da manhã não seria agradável aos passageiros) e cantei. “Canta, canta
uma esperança...”, e eu cantava.
Mal consegui
dormir, tamanha a ansiedade para desembarcar. O semi-leito também atrapalhava
bastante, não apenas pela posição desfavorecida à minha lombar, mas também por
ranger a cada vez que o ônibus atravessava as deformações do asfalto da pista.
Todo o conforto da viagem se resumia no que eu ouvia e criava, posto que nem
dei atenção às instalações do veículo. Dava-me por muito satisfeito com o
silêncio e a ordem que a viagem transcorria. Enquanto acordado, sabia que não
controlaria a euforia quando chegasse à cidade; mesmo contraditória, mesmo
difícil, mesmo densa, era o ponto findo do meu imaginário. Por fim, dormi.
27 longas horas depois,
o ônibus parou na rodoviária. Acordei de um salto! Apressei-me a descer,
agarrar a bagagem e parti pelo horizonte de expectativas.
Caminhei pela
cidade o dia inteiro, até chegar à pousada que me indicaram e descansar. No
outro dia, esperei a ligação da empresa que me prometeu emprego, motivo que me
fez sair da calmaria onde nasci e enveredar por ruas recheadas de gente. Por um
mês, não recebei ligação alguma. Consegui o endereço, mas, ao lá chegar, encontrei
um prédio vazio, presumindo que a firma havia falido. Quis ficar mais um mês
hospedado, na expectativa de trabalhar em outro lugar e morar naquela cidade;
nada feito. Quando meus recursos enfim acabaram, voltei para casa, para a
monotonia, para a languidez de onde pensei ter me livrado eternamente. Aceitei
a derrota, baixei a guarda, rendi-me ao que parecia estar reservado para mim - "sonho não se dá".
Foi quando o sol
já se havia posto e a lua se apresentava cheia numa sexta-feira. Parei de
escrever e divaguei por uns instantes... Nada do que relatei aconteceu. A
cidade era, na verdade, uma moça.