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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Jornada de uma sexta


Perdi-me antes de chegar. Quando me vi com a passagem em mãos, desandei a planejar os cafés a conhecer e frases que seriam ditas nas conversas com estranhos. Meu passaporte físico era um mero papel riscado se comparado ao passaporte imaginário, era um pedaço de celulose diante do que se passava no lado direito do meu cérebro, enquanto eu sentia as correntes elétricas das sinapses.

No ônibus, puxei os fones e o bloquinho, meus companheiros de viagem, juntamente com a paisagem de formações rochosas e plantações a perder de vista. Eu estava na estrada, já distante de meu calmo e seguro vilarejo, eufórico por rumar para meu futuro, para minhas oportunidades, para assistir os sonhos passeando nas congestionadas avenidas. Que custaria a correria para ter o que eu queria? Não hesitei em tornar palpáveis minhas esperanças – eu as via me soprando beijo pelo ar! De repente, numa situação crítica de conjecturas flutuando com asinhas, os fones soaram Fantasia, do Chico. Não resisti: pus o travesseiro na boca (pois ecoar a voz no corredor de um ônibus às duas da manhã não seria agradável aos passageiros) e cantei. “Canta, canta uma esperança...”, e eu cantava.

Mal consegui dormir, tamanha a ansiedade para desembarcar. O semi-leito também atrapalhava bastante, não apenas pela posição desfavorecida à minha lombar, mas também por ranger a cada vez que o ônibus atravessava as deformações do asfalto da pista. Todo o conforto da viagem se resumia no que eu ouvia e criava, posto que nem dei atenção às instalações do veículo. Dava-me por muito satisfeito com o silêncio e a ordem que a viagem transcorria. Enquanto acordado, sabia que não controlaria a euforia quando chegasse à cidade; mesmo contraditória, mesmo difícil, mesmo densa, era o ponto findo do meu imaginário. Por fim, dormi.

27 longas horas depois, o ônibus parou na rodoviária. Acordei de um salto! Apressei-me a descer, agarrar a bagagem e parti pelo horizonte de expectativas.

Caminhei pela cidade o dia inteiro, até chegar à pousada que me indicaram e descansar. No outro dia, esperei a ligação da empresa que me prometeu emprego, motivo que me fez sair da calmaria onde nasci e enveredar por ruas recheadas de gente. Por um mês, não recebei ligação alguma. Consegui o endereço, mas, ao lá chegar, encontrei um prédio vazio, presumindo que a firma havia falido. Quis ficar mais um mês hospedado, na expectativa de trabalhar em outro lugar e morar naquela cidade; nada feito. Quando meus recursos enfim acabaram, voltei para casa, para a monotonia, para a languidez de onde pensei ter me livrado eternamente. Aceitei a derrota, baixei a guarda, rendi-me ao que parecia estar reservado para mim - "sonho não se dá".

Foi quando o sol já se havia posto e a lua se apresentava cheia numa sexta-feira. Parei de escrever e divaguei por uns instantes... Nada do que relatei aconteceu. A cidade era, na verdade, uma moça.


Automatic Stop by The Strokes on Grooveshark

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Conto adolescente


Não chegou a ser exatamente um choque para Paulo ver, ao vivo e a cores, aquela cena. Ele já esperava que Lisbela o trairia com Arnaldo, mais cedo ou mais tarde. Na verdade, Paulo tinha quase certeza que isso estava acontecendo, pois Lisbela não era dotada da menor capacidade para enganar a observância dele, que ainda não tinha noção do tempo ou da intensidade do triste fato. Mas não esperava que acontecesse minutos antes de visitá-la.

Esperou Arnaldo entrar no Celta preto com aerofólio e rodas esportivas TSW pra tocar a campainha. Estava tão inconformado quanto tranquilo, ensaiando como jogaria na cara da moça a sua desqualificação para ser conhecida como respeitável. Paulo estava com ela, até então, por conforto. Era interessante sair com uma menina bonita, fazer algum carinho, deixá-la tímida com elogios bem elaborados que ela jamais ouvira, pagar lanche e enviar mensagens dizendo que tinha gostado de vê-la. Ele não gostava dela exatamente, e sim do que ela provocava nele; uma sensação de dono de si mesmo, que controlava os sentimentos e segurava alguém com ele porque sabia encantá-la.

O ego tão grande o fez ficar, digamos, insatisfeito com o que Lisbela andava fazendo com Arnaldo, por alguns motivos: isso fez com que Paulo se sentisse insuficiente; Lisbela revelava-se uma ignóbil mentirosa; e Arnaldo, além de um nariz proeminente, não sabia a diferença entre “mas” e “mais”, o que gerava piadas por parte de Paulo (Arnaldo era ex-alguma coisa de Lisbela e isso gerava competitividade para ele).

Lisbela estava ficando com o ex! Finalmente atendeu a porta:
- Oi, meu lindo! Que surpresa linda! (Conhecia poucos adjetivos e repetia muito “lindo” e “doce”)
Paulo entrou sem ser convidado, com cara de poucos amigos:
- Com quem você tá?
- Carlinhos, tá no quarto jogando videogame. Você tá chateado?
- Vi você e o Arnaldo se beijando há cinco minutos.

Gelada dos pés a cabeça: assim ficou Lisbela. Não era de mentir, era de omitir. Como não podia omitir e não conseguiu pensar rapidamente no que dizer, expressou sua agonia paralisando-se, e Paulo ficou realmente irritado após ter pronunciado o motivo da indignação:
- Lisbela, eu não esperava algo assim da sua parte. Você demonstrava tanto carinho e cuidado por mim que eu não esperava ser corneado de maneira tão... tão... Eu não esperava ser corneado! Claro que eu estava certo em ter ciúmes dele. Vi todas as indiretas no Facebook e você as respondia. Depois, dizia pra eu não dar atenção, que já era passado.
- E era passado!
- Claro que não era! Você não negava com veemência minhas quase acusações. Praticamente assumiu o adultério na minha frente, achando que eu fosse acreditar só porque você tem um cheiro que eu gosto.
- Paulo, para com isso! Você tá me fazendo mal...
- Eu? Eu? Você agiu da forma mais improvável pra mim. Você botou tudo a perder com essa safadeza. Quanto tempo faz? Quantas vezes foram? Por quê?
- Me perdoa... Por favor, Paulinho, me perdoa... (com gemidos e voz de choro)
- Responda as perguntas.
- (Suspiro) Olha, faz uma semana que ficamos pela primeira vez. Foi na festa da Clarinha. Ele insistiu muito, me atacou à força, não pude evitar... De lá pra cá, só aconteceu novamente hoje.
- Hm. Interessante que hoje ele não precisou fazer força nenhuma. Foi bem fácil, aliás. O que me faz duvidar que você esteja falando a verdade.
- Claro que estou.
- Não importa. Não preciso acreditar. Não preciso de você. Eu tive muitas oportunidades de te trair, recusei todas elas porque eu te respeitava. Sei que só temos três meses, nem é exatamente um namoro, mas, mesmo assim, te respeitei.
- Eu sei que errei, sei da imbecil que eu fui, nem entendo porque fiz isso. Por favor, Paulinho, me perdoa, me perdoa!
- Você não estava feliz? Por que precisou disso? Por que ele? (Paulo percebeu que começou a dar importância demais e era hora de encerrar tudo)
- Eu não sei, eu não sei! Fui uma burra, uma imbecil... Eu quero você!
- Não entendo o porquê. Sou emocionalmente estável e dou valor às coisas simples. Por que, Lisbela? Ele é burro e usa camisa listrada com bermuda xadrez!
- Paulinho, eu não fiz por querer! Você é doce, lindo... tão lindo, tão doce...

Neste instante, a mãe de Lisbela chegou em casa. Paulo disse que estava de saída e se despediu das duas. Gostaria de rir de tudo isso como tantos riram com sua narrativa tempos depois, porém, certamente, estava bem mais triste do que pensou que ficaria.

As semanas seguintes foram dolorosas. Os dois sentiam falta do celular apitando, com alguma bobagem chegando via mensagem de texto. Lisbela, que antes não ligava para as bandas favoritas de Paulo, assumiu a fossa e não parava de ouvi-las. Paulo chegou à conclusão de que jamais teria dado certo, principalmente porque eles eram opostos em coisas que não poderiam ser. Com o tempo, a conformidade alcançou os corações.

Quatro meses depois, Lisbela saía cambaleante de um Celta preto com rodas esportivas TSW e aerofólio, segurando no poste e tocando a campainha. Paulo não respirava tão aliviado por ter terminado algo desde que resgatou a princesa em Super Mario Bros., aos 10 anos.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Oportunidade e liberdade e flor


Sonho, e, escrevo. Escrevo porque sonho e porque não criei dívida que contenha cláusula impeditiva de fazê-lo. E faço sonho com a força de um beija-flor, uma força muito forte nas asas. Se as asas param, a morte não demora mais que dez segundos pra tirar a força, os sonhos e todo o resto. Sonho tem que ter asa.

Invento o que já existe porque nas asas aqui só tem emoção. A inteligência é fraca pra desrepetir o que a emoção quer que eu repita, por mais que tente. Então a razão flutua feito pena solta, sem rumo, vem e vai, chega e sai. Mas a emoção é caseira, preguiçosa, tão inválida como a razão em dias de vento forte. Ora, se o vento é forte, bato as emoções e pego carona até o girassol mais alto! O vento leva tudo, ainda mais se forte for, mas o sonho não leva, porque a asa tem força pra vibrar.

A emoção é o clichê indissolúvel, indesejável e inseparável. Ao encontrar a razão, passa a analisar certidão de nascimento, carteira de biblioteca, canhoto de cinema e tanto mais que houver nas gavetas, a fim de encontrar a melhor forma de alcançar o sonho. E, enquanto anfitriã e visitante freqüente discutem, o sonho vai batendo as emoções/asas no vento que veio do sul. Em meio às divergências, as duas correm atrás do vento pra ver o que resgatam do sonho, que só quer saber de existir, embora não saiba como. Esta incumbência pertence às suas tolas pariceiras.

O sonho só existe em par com a liberdade, assim como asas não fazem voar sem um pouco de vento. E precisa pouco! Dez segundos sem bater as asas resulta em morte, dez minutos sonhando se chega longe. Pegando carona ou não. A pé, de carro ou voando, escrevo. Porque não há cláusula impeditiva.