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quinta-feira, 28 de março de 2013

De antídotos

Estou encarcerado em minha infância.

Não se trata de ser infantil no sentido mais “briguinha de casal” da palavra; arrumo minha cama, posso lavar minhas roupas, tomo minhas próprias decisões (não sem dificuldade) e assumo culpas e responsabilidades. Em suma, estou me tornando adulto aos poucos e aceito esta imutável condição. Minha prisão à infância se dá num contexto bem diferente.

Eu amo fiteiros. Não é possível expressar minha satisfação em ir a uma barraquinha com o bolso cheio de moedinhas, nele o valor necessário contadinho, e comprar algo que vou consumir em alguns minutos e que custa quase nada. Sempre amei torrar dinheiro assim! Torrava as moedas de cinqüenta centavos de uma só vez, quantia que passei a semana tentando conseguir. Chegava à vitrine, ou à prateleira, ou ao balcão, sorrindo de ponta a ponta e com dúvidas empolgantes rodeando a mente: pirulitos, chicletes, pipoca, paçoca ou chocolate? Levava de tudo um pouco.

Eu amo sentar no chão sujo da rua. Nunca tive o menor pudor em debruçar-me, inerte, na presença de formigas e outras criaturinhas aparentemente insignificantes. As ameaças que minha mãe gritava de que eu pegaria doenças nunca fizeram efeito... Jogava-me no chão sem pensar. Não nego que as frieiras, bichos-de-pé e picadas dos tais seres pequenos eram incômodos e corriqueiros, embora afirme com toda convicção que sempre fui um rapaz muito higiênico. Meus colegas se assustavam; eu não tomava banho de imediato após chegar da rua. Ao contrário deles, beijava a minha mãe, que nada dizia, porque eu escondia a sujeira com imensa destreza. Lanchava e via um pouco de televisão, até encarar o atormentável banho.

Eu amo o pôr-do-sol. Claro que isso é um tremendo clichê – culpa dos que me roubam o adeus da grande estrela. Lembro-me de ter chorado ao contemplar o fim de um dia, enquanto subia e descia no balanço de um parquinho. Ninguém, até então, conhecia esta história (nem a emoção que nela há, pois me roubaram a beleza do sol): senti como se tivesse muito a fazer num prazo curto. Apresentei fraqueza diante do tempo. Ainda queria brincar no escorrego! Mas o dia chegava ao fim e eu teria de esperar até a próxima tarde para voltar lá. Como nunca fui de correr atrás de algo que eu não posso, chorei. Apenas deixei algumas lágrimas descerem, pondo-me em meu lugar.

Peço perdão à correria da vida por não ter me desvencilhado de tudo isso. Por causa dessas coisas, supermercados são entediantes, não consigo morar em apartamentos e a rua tem que ter um fim pro horizonte – não aceito pontes, edifícios ou qualquer outra coisa que encubra a minha visão do sol. E o pior: compro briga caso o que eu queira não se enquadre nestas qualidades, e em tantas outras que preferi omitir, a fim de permitir a empatia de alguma alma boa que veja este escrito. A omissão é o meu esconderijo ao me ver em crise.

Que raiva de ter crescido! Por vezes, me escondo de mim e dos outros, compro bala de iogurte, sento no chão e assisto o sol se pôr. Assim, volto a mim.

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