Estou encarcerado em minha
infância.
Não se trata de ser infantil no
sentido mais “briguinha de casal” da palavra; arrumo minha cama, posso lavar
minhas roupas, tomo minhas próprias decisões (não sem dificuldade) e assumo
culpas e responsabilidades. Em suma, estou me tornando adulto aos poucos e
aceito esta imutável condição. Minha prisão à infância se dá num contexto bem
diferente.
Eu amo fiteiros. Não é possível expressar
minha satisfação em ir a uma barraquinha com o bolso cheio de moedinhas, nele o
valor necessário contadinho, e comprar algo que vou consumir em alguns minutos
e que custa quase nada. Sempre amei torrar dinheiro assim! Torrava as moedas de
cinqüenta centavos de uma só vez, quantia que passei a semana tentando
conseguir. Chegava à vitrine, ou à prateleira, ou ao balcão, sorrindo de ponta
a ponta e com dúvidas empolgantes rodeando a mente: pirulitos, chicletes,
pipoca, paçoca ou chocolate? Levava de tudo um pouco.
Eu amo sentar no chão sujo da
rua. Nunca tive o menor pudor em debruçar-me, inerte, na presença de formigas e
outras criaturinhas aparentemente insignificantes. As ameaças que minha mãe
gritava de que eu pegaria doenças nunca fizeram efeito... Jogava-me no chão sem
pensar. Não nego que as frieiras, bichos-de-pé e picadas dos tais seres
pequenos eram incômodos e corriqueiros, embora afirme com toda convicção que
sempre fui um rapaz muito higiênico. Meus colegas se assustavam; eu não tomava
banho de imediato após chegar da rua. Ao contrário deles, beijava a minha mãe,
que nada dizia, porque eu escondia a sujeira com imensa destreza. Lanchava e
via um pouco de televisão, até encarar o atormentável banho.
Eu amo o pôr-do-sol. Claro que
isso é um tremendo clichê – culpa dos que me roubam o adeus da grande estrela.
Lembro-me de ter chorado ao contemplar o fim de um dia, enquanto subia e descia
no balanço de um parquinho. Ninguém, até então, conhecia esta história (nem a
emoção que nela há, pois me roubaram a beleza do sol): senti como se tivesse
muito a fazer num prazo curto. Apresentei fraqueza diante do tempo. Ainda
queria brincar no escorrego! Mas o dia chegava ao fim e eu teria de esperar até
a próxima tarde para voltar lá. Como nunca fui de correr atrás de algo que eu
não posso, chorei. Apenas deixei algumas lágrimas descerem, pondo-me em meu
lugar.
Peço perdão à correria da vida
por não ter me desvencilhado de tudo isso. Por causa dessas coisas,
supermercados são entediantes, não consigo morar em apartamentos e a rua tem
que ter um fim pro horizonte – não aceito pontes, edifícios ou qualquer outra
coisa que encubra a minha visão do sol. E o pior: compro briga caso o que eu
queira não se enquadre nestas qualidades, e em tantas outras que preferi
omitir, a fim de permitir a empatia de alguma alma boa que veja este escrito. A
omissão é o meu esconderijo ao me ver em crise.
Que raiva de ter crescido! Por
vezes, me escondo de mim e dos outros, compro bala de iogurte, sento no chão e
assisto o sol se pôr. Assim, volto a mim.