Queria
eu ter um bom coração!
Classifico
um “bom coração”, no caso específico que tratarei, como um coração altruísta,
despretensioso. Como alguém que recusa a si mesmo antes de tomar decisões que
envolvam mais gente. Como alguém que se preocupa em como o outro vai se sentir
ao dar aquela opinião, ao dizer aquela verdade. Preocupar-me com a situação de
quem vai me ouvir ou de quem vai ter que carregar as conseqüências daquilo que
eu escolher.
E
isso tudo sem esconder a verdade. Isso tudo sem deixar de ser franco, sem
deixar de expor O QUE É, e não O QUE EU QUERO QUE SEJA. Esta é a virga que
precisa cair. Minha natureza limitada e que não se harmoniza com o tempo não
consegue ver o que haverá de ser. E é claro que não cabe a ela saber. Claro que
não me convém conhecer o futuro, pois quem sou eu? Sou tudo o que eu não
gostaria de ser.
O
medo é olhar para si e assistir a própria amargura, a própria limitação.
Descobrir-se egoísta traz uma dor indecifrável para quem luta contra tal
defeito. Ser o que não se quer ser é bom desde quando? Aceitar-se falho talvez
seja um dos maiores desafios para um indivíduo, por isso que uns preferem negar
sua incapacidade de ser bom, fechar os olhos para o egoísmo e alimentar o ego
com o que quer que seja.
Então
encontro Deus. É lindo como Deus se afasta dos que andam cheios do orgulho e da
certeza de não falhar (e de quando falhar, não tem problema) e se aproxima do
que está fraco, falido consigo mesmo, duvidoso quanto ao seu talento,
indisposto para seguir em frente, confuso sobre sua utilidade no passar dos dias.
A confiança em si mesmo se esvai, a debilidade se manifesta, e é quando o Único
que é perfeito demonstra um amor tão grande, colando os pedaços, juntando os
tijolos, construindo como Ele quer. Afinal, de barro sou, feito pelas Suas
mãos. Me encontro pequeno, sem o direito de renegar a visão alheia sobre quem sou, ao passo que devo minha idoneidade somente ao Justo Juiz.
Assisto
o meu criador invadir cada espaço do que sou e tornar tudo novo. Sua presença é
tão cheia de perfeição que revela todas as minhas imperfeições. E, cada vez
mais, as aniquila. Quão doloroso é esse processo – quanta solidão, choro,
agonia, indisposição. Momentos privados, escondidos, guardados num cofre. Só Um
conhece, e habita, e restaura. Contudo, aprendemos mais no sofrer do que na
festa. O que serei um dia, o que precisarei, virá das lembranças de quando o
Oleiro moldava o barro, que quebrava, mas era rejuntado. E não me encherei do
orgulho que combato, sabendo que por causa dEle tornei-me o que sou. E para
Ele.
Vivo
para ser, amanhã, melhor do que hoje, até que a raiz doente fincada em mim seja
destruída de uma vez por todas. Queria eu suportar sozinho as dores causadas
pela minha pecaminosa natureza, mas não consigo – e nem preciso. Antes de
sofrer acusações (as que eu mesmo me dou nem se comparam às que vêm de fora),
lembro que foram pregadas numa cruz para nunca mais fazerem efeito. Lembrar
disso me faz perceber: estou morto para mim. Não há do que me queixar! Agora,
hei de deixar que o Sumo Fazedor do Bem me conserte quando eu não conseguir.