Powered By Blogger

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Moça de sessenta e tantos


A senhorinha me vê adentrar por sua casa e exige que eu entre, como uma intimação. Não recuso, mas, por um momento, esqueço-me do valor que possui o tempo gasto com ela. Com a gentileza que lhe é intrínseca, me serve uma concha abarrotada de munguzá, acompanhada de café e bolo, tudo com sabor de ternura.

Enquanto a escuto descrever suas doenças, me encanto cada vez mais. Embora esteja contando sobre problemas de saúde, seu olhar brilha gentilmente de felicidade por estar perto de mim e conduz um carinho gratuito. Ela se empolga tanto que não apresenta nenhuma dificuldade de oratória, apesar de ter nascido e crescido em meio a gente analfabeta e rodeada de galinhas num sítio interiorano. As rugas do rosto não são tantas, porém a coluna revela que a saúde não é a mesma de outros tempos. Fisicamente, porque a lucidez é assustadora.

Jamais acreditei que pessoas na faixa dos setenta anos tivessem coisas inúteis a expor. E conversando com essa senhorinha, tal crença se reforça. Conversando, disse eu? O mais correto seria ouvindo a mulher me ensinar a cada palavra pronunciada. Ela aconselha até mesmo quando boceja! Tão admirável é esta senhora. Ouviu-me falar de amores perdidos, de decepções familiares, de um coração que ela conhece melhor do que eu mesmo. Ao sentir saudade da ausência de um amigo originalmente paterno, segurei as lágrimas que pressionavam as pálpebras. Vi que ela fez o mesmo. Continuou invadindo o campo das minhas emoções com uma facilidade gigantesca, como se para ela fosse um lugar familiar. E é! A senhorinha me viu aprender a andar – de cueca roxa, passeando pela sala de sua casa – e cair também.

Ah, esta moça da terceira idade não sabe a quantidade de amor que guardo, pois meu vocabulário é ínfimo diante do que sinto.




*Presente à Dona Oscarina, a senhorinha tia-avó mais amável que existe.