A senhorinha me vê adentrar por sua
casa e exige que eu entre, como uma intimação. Não recuso, mas, por um momento,
esqueço-me do valor que possui o tempo gasto com ela. Com a gentileza que lhe é
intrínseca, me serve uma concha abarrotada de munguzá, acompanhada de café e
bolo, tudo com sabor de ternura.
Enquanto a escuto descrever suas
doenças, me encanto cada vez mais. Embora esteja contando sobre problemas de
saúde, seu olhar brilha gentilmente de felicidade por estar perto de mim e
conduz um carinho gratuito. Ela se empolga tanto que não apresenta nenhuma
dificuldade de oratória, apesar de ter nascido e crescido em meio a gente
analfabeta e rodeada de galinhas num sítio interiorano. As rugas do rosto não
são tantas, porém a coluna revela que a saúde não é a mesma de outros tempos.
Fisicamente, porque a lucidez é assustadora.
Jamais acreditei que pessoas na faixa
dos setenta anos tivessem coisas inúteis a expor. E conversando com essa
senhorinha, tal crença se reforça. Conversando, disse eu? O mais correto seria
ouvindo a mulher me ensinar a cada palavra pronunciada. Ela aconselha até mesmo
quando boceja! Tão admirável é esta senhora. Ouviu-me falar de amores perdidos,
de decepções familiares, de um coração que ela conhece melhor do que eu mesmo.
Ao sentir saudade da ausência de um amigo originalmente paterno, segurei as
lágrimas que pressionavam as pálpebras. Vi que ela fez o mesmo. Continuou
invadindo o campo das minhas emoções com uma facilidade gigantesca, como se
para ela fosse um lugar familiar. E é! A senhorinha me viu aprender a andar –
de cueca roxa, passeando pela sala de sua casa – e cair também.
Ah, esta moça da terceira idade não
sabe a quantidade de amor que guardo, pois meu vocabulário é ínfimo diante do
que sinto.
*Presente à Dona Oscarina, a senhorinha
tia-avó mais amável que existe.