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quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Doce e salgado


Nem tudo é doce em Honig. Sabe-se que lá é a terra de onde saem as mais deliciosas paçocas, exportadas para toda a região de Plirótita. No entanto, muitos não sabem a razão de o reino de Honig produzir as melhores paçocas. Há um ingrediente especial nelas que dá o equilíbrio pleno entre o doce e o salgado: lágrimas de Nestor.

Ora, Nestor era o cão da princesa Laís. Um belo e velho cão da raça Golden Retriver que tinha vindo de Nárnia, um reino mais famoso e incomparavelmente maior e mais relevante do que Honig nas histórias que foram gravadas nos pergaminhos de Sanrriton. Mas, ainda assim, Honig tinha seu grande valor. Paçocas e mais paçocas eram criadas lá com o elemento secreto, as lágrimas de Nestor.

Bem, vamos falar sobre Nestor, sem nos delongar. Por vir de Nárnia, ele falava. Tornou-se amigo da princesa Laís quando ela tinha completado oito anos de idade. Nestor já era velho quando chegara a Honig – partira de Nárnia devido ao enfadonho inverno de lá – e teve permissão do Rei Gustav para entrar no palácio. Nestor era um cão muito sábio, fazia jus ao seu nome, que foi dado por causa do valente e sábio guerreiro grego Nestor, um dos argonautas, combatente na guerra em Troia e conhecido pelos conselhos aos mais jovens. Ele logo conquistou o rei e foi levado à presença da princesa, que o amou. Tudo aconteceu de uma maneira leve e a amizade entre eles era sustentada por conversas que atravessavam a madugada.

Catorze anos de amizade inabalável, em conversas e conselhos, em risadas e abraços, se passaram. No entanto, Nestor tinha alguns problemas. Assim como o seu homônimo grego, ele perdia muito tempo gabando-se ao invés de simplesmente aconselhar. Usava de suas experiências nas viagens, batalhas e amores para exaltar a si mesmo. Sempre que percebia isso, Nestor chorava por horas. Contudo, Nestor também chorava porque amava Laís e detestava vê-la angustiada, coisa que acontecia sempre. Sabe-se em todo o reino (documentado nos pergaminhos de Sanrriton) que a princesa Laís era muito teimosa e às vezes não dava ouvidos a Nestor. Sempre que isso acontecia, bem, ela se machucava, ou se entristecia, ou se perdia em algum lugar. E Nestor derramava rios de lágrimas sobre os pés de Laís.

Contudo, algo milagroso acontecia: sempre que Nestor molhava Laís com lágrimas, a dor dela passava. Não só a dor; as feridas eram curadas e a tristeza ia embora. Na verdade, como se sabe, o sorriso encantador de Laís fazia o sol brilhar mais forte em Honig quando era dia, e a lua quando era noite. Se ela estivesse triste, Honig ficava triste, e Nestor chorava sobre Laís. Então, ela se alegrava e Honig voltava a brilhar e a fazer festas. Não é novidade para nós que a princesa Laís tinha esse dom porque era grandemente abençoada com seu sorriso.

Por causa disso, Vossa Alteza teve uma ideia: decidiu guardar as lágrimas de Nestor em garrafas de vidro sempre que ele chorasse. Quando as lágrimas dele desciam sobre ela, a princesa usava um lenço de algodão macio para absorver o líquido e depois transferia-o para os recipientes decorados com panos de flores. Com o passar do tempo, Laís colecionava centenas de milhares de garrafas em sua casa, pois tanto a tristeza dela ela freqüente, como as lágrimas dele. Por amar tanto a Honig, a princesa sempre guardava as lágrimas, e quando estava triste, passava sobre sua face. Hoje, mulheres fazem isso com demaquilante. Laís fazia com as lágrimas de seu amigo Nestor.

Certo dia, durante a Guerra das Três Árvores, Laís estava em dúvida sobre algo sério: precisava escolher se o quarto onde ela viveu seria demolido para se transformar numa enfermaria para os feridos nas batalhas ou se o conservaria para lembrar de onde havia passado a maior parte de sua vida, inclusive na companhia de Nestor. Perguntou ao cão o que deveria fazer. Nestor, por já ter sido um combatente, não se encheu de orgulho e destilou sua sabedoria aconselhando-a a transformar o quarto num lugar de acolhimento para os necessitados combatentes. A princesa ficou dividida. Guardar lembranças físicas do passado ou destruí-las em prol dos feridos?

Enquanto ela decidia conservar o quarto, seu coração era moído por dentro. Ela tinha o desejo de acabar com a Guerra das Três Árvores. Mas chorava, porque, ajudando, ela apagaria parte de suas lembranças tão queridas. Enquanto ela gemia enrolada aos lençois, o exército de Honig era esmigalhado aos poucos na guerra, pois o sorriso dela iluminava toda a cidade e também fortalecia os guerreiros. Nestor, triste por isso, chorava copiosamente, mas Laís não estava recolhendo suas lágrimas. Foi então que uma flecha invadiu a janela do aposento e fincou-se ao pé da cama da princesa. Nestor parou de chorar e conferiu: era uma flecha inimiga.

Ele prontamente se postou para defender sua amiga. Correu para a janela e viu: um pequeno grupo de invasores estava aprisionando os guardas do palácio e destruindo tudo ao redor. Sem medo, ele saltou da janela, feroz, para enfrentar os miseráveis. Conseguiu ferir e impossibilitar dois deles, e os outros lutavam com o guarda do palácio. Porém, o líder do grupo, chamado Fóvos, traspassou Nestor com sua espada.

O grande amigo de Laís estava morto. Ela ouviu um ganido triste e olhou pela janela. Quando viu a cena, chocou-se. Havia uma poça de lágrimas no chão de seu quarto. Ela recolheu-as pouco a pouco com o lenço e, quando viu, havia enchido cem garrafas. Pegou uma delas e derramou completamente sobre si mesma. Imediatamente, um sentimento novo lhe surgiu: a esperança. Ela sorriu, e viu que ajudantes do reino destruíram os assassinos de Nestor. Ao fim do dia, a guerra acabou com a vitória de Honig.

Nestor foi sepultado com honras em Honig. A princesa sentiu saudades, mas viu que a saudade do passado foi o que matara seu sábio amigo cão. Por conta disso, reformou seu quarto em uma hospedaria para os feridos na guerra! Ela percebeu também, tempos depois, que seu sorriso não era mais afetado pela tristeza, pois tudo que havia aprendido com Nestor estava bem guardado em sua mente, de maneira que a alegria chegava junto com as orientações do que deveria fazer. Ela viu que não precisava mais das lágrimas engarrafadas e decidiu fazer algo sublime.


Ela levou as garrafas para a fábrica de paçocas de Honig e disse ao dono: “uma gota para cada doce”. Não se sabe como, mas as garrafas nunca acabavam. Desde então, cada habitante de Honig que comia uma paçoca sentia-se mais feliz e esperançoso, sorria, e o reino inteiro se alegrava. Nunca mais houve guerra, pois Nestor deixou suas lágrimas e a princesa Laís fez belo uso dela. Até hoje, seu sorriso ilumina a tudo que se torna escuro de tristeza.